Sangue na arena
Na Itália antiga, o espetáculo dos gladiadores simbolizava a força do império romano
LUZIA CAMILA

A reconstrução de um combate entre gladiadores encenada por dois atores do Grupo Storico Romano
É longa a sombra do Coliseu. O maior edifício da Antiguidade recorta-se alto no céu: um monumento de argila, travertino e arenito, ladrilhos e mármore; um patrimônio cultural indestrutível, embora tenha sido estripado e saqueado durante um milênio e meio, usado como mina de onde se extraiu material para a construção de igrejas e palácios, atingido por raios e terremotos. Essa maravilha da arquitetura, visitada anualmente por milhões de pessoas, era a arena da morte.
Um dia esplêndido na Roma imperial. Os primeiros espectadores se apressam a entrar no Coliseu. O programa é promissor: venationes (isto é, lutas entre animais ou entre homens e animais); algumas execuções de condenação à morte; e, por fim, os gladiadores. Mais uma vez, um dos pratos fortes será o encontro entre retiarius e secutor: o primeiro combate quase nu, coberto apenas com um cinturão, sem elmo, sem escudo nem caneleira, e, como únicas armas, uma rede e um tridente; o outro está bem armado e protegido por elmo e armadura. A regra é clara: não existe a possibilidade de empate. Cada combate tem um vencedor e um vencido, e a sorte deste último será decidida pelo povo de Roma. Se o povo quiser, ele será um homem morto.
Cheguei de manhã cedo. Os vendedores de suvenir ainda estão arrumando a mercadoria: cinzeiros em forma de Coliseu, bustos do papa João Paulo II, o David de Michelangelo e madonas de gesso. Chegam os primeiros escolares, alegres pelotões de chapeuzinhos brilhantes para evitar que qualquer menino se perca.
Desço por um corredor íngreme e baixo, que me leva diretamente a 2 mil anos atrás. Estou acompanhado de Heinz Beste, historiador da arquitetura junto ao Instituto Arqueológico Alemão de Roma: “Tem de imaginar este lugar envolto em uma espécie de luz crepuscular”, diz ele. Estamos no subsolo do anfiteatro. Acima de nós, na arena e nas galerias, enxameiam os turistas, mas aqui há silêncio. Ervas e urtiga crescem livremente nas frestas dos muros. Começo a viajar com a fantasia, a imaginar a cena de então: retiarus contra secutor, um clássico. Acima de nós, toras de madeira formam o pavimento da arena, recoberto de areia.
O programa de entretenimento acaba de começar com as venationes. Aqui embaixo há um cheiro de zoológico, de animais selvagens. Os homens movimentam-se depressa através de um sistema de passagens e cubículos, estábulos e despensas, depósitos de armas, celas e jaulas; com tochas e lanças, tocam as feras para que entrem em jaulas mais estreitas, que repentinamente são erguidas. Os felinos bufam, os guindastes guincham quando um leão ou um leopardo é içado em um dos 28 monta-cargas e surge de repente na arena. Através do poço do elevador, o ulular de 50 mil pessoas chega por fim ao apogeu. O povo de Roma: uma fera com dezenas de milhares de vozes.
As legiões romanas levavam com elas ursos da Caledônia e da Bretanha, dos Bálcãs e dos Urais; búfalos e javalis da Alemanha; touros da Grécia; leopardos do monte Atlante e da Síria; leões da África. Sempre da África, e talvez mesmo da Índia, vinham os elefantes, e de vez em quando alguns rinocerontes; do alto Nilo eram enviados os pequenos, mas perigosos, hipopótamos-pigmeus.
Um dia esplêndido na Roma imperial. Os primeiros espectadores se apressam a entrar no Coliseu. O programa é promissor: venationes (isto é, lutas entre animais ou entre homens e animais); algumas execuções de condenação à morte; e, por fim, os gladiadores. Mais uma vez, um dos pratos fortes será o encontro entre retiarius e secutor: o primeiro combate quase nu, coberto apenas com um cinturão, sem elmo, sem escudo nem caneleira, e, como únicas armas, uma rede e um tridente; o outro está bem armado e protegido por elmo e armadura. A regra é clara: não existe a possibilidade de empate. Cada combate tem um vencedor e um vencido, e a sorte deste último será decidida pelo povo de Roma. Se o povo quiser, ele será um homem morto.
Cheguei de manhã cedo. Os vendedores de suvenir ainda estão arrumando a mercadoria: cinzeiros em forma de Coliseu, bustos do papa João Paulo II, o David de Michelangelo e madonas de gesso. Chegam os primeiros escolares, alegres pelotões de chapeuzinhos brilhantes para evitar que qualquer menino se perca.
Desço por um corredor íngreme e baixo, que me leva diretamente a 2 mil anos atrás. Estou acompanhado de Heinz Beste, historiador da arquitetura junto ao Instituto Arqueológico Alemão de Roma: “Tem de imaginar este lugar envolto em uma espécie de luz crepuscular”, diz ele. Estamos no subsolo do anfiteatro. Acima de nós, na arena e nas galerias, enxameiam os turistas, mas aqui há silêncio. Ervas e urtiga crescem livremente nas frestas dos muros. Começo a viajar com a fantasia, a imaginar a cena de então: retiarus contra secutor, um clássico. Acima de nós, toras de madeira formam o pavimento da arena, recoberto de areia.
O programa de entretenimento acaba de começar com as venationes. Aqui embaixo há um cheiro de zoológico, de animais selvagens. Os homens movimentam-se depressa através de um sistema de passagens e cubículos, estábulos e despensas, depósitos de armas, celas e jaulas; com tochas e lanças, tocam as feras para que entrem em jaulas mais estreitas, que repentinamente são erguidas. Os felinos bufam, os guindastes guincham quando um leão ou um leopardo é içado em um dos 28 monta-cargas e surge de repente na arena. Através do poço do elevador, o ulular de 50 mil pessoas chega por fim ao apogeu. O povo de Roma: uma fera com dezenas de milhares de vozes.
As legiões romanas levavam com elas ursos da Caledônia e da Bretanha, dos Bálcãs e dos Urais; búfalos e javalis da Alemanha; touros da Grécia; leopardos do monte Atlante e da Síria; leões da África. Sempre da África, e talvez mesmo da Índia, vinham os elefantes, e de vez em quando alguns rinocerontes; do alto Nilo eram enviados os pequenos, mas perigosos, hipopótamos-pigmeus.
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