sábado, 22 de março de 2014

Grécia - Além dos mitos

A Grécia moderna não é bem aquilo que os turistas imaginam.


POR  LUZIA
Grécia 
A Grécia moderna é mais do que os turistas imaginam: vai além das praias, ruínas e seu povo religioso
Primeiro fez-se a penÍnsula, uma terra montanhosa de litoral recortado, sobressaltada por terremotos. Terra árida e austera, da oliva e do limão, dos pinheiros e do sal. Em seguida, isolaram-na da Europa e da Ásia, presentearam-na com vizinhos aterrorizantes e, dessa forma, ela foi fadada à glória. A única gentileza foi povoá-la com nômades dos Bálcãs, bem parecidos com o mítico herói Ulisses na inteligência, na coragem e na eloqüência. Foram esses gregos que praticamente inventaram a civilização ocidental. Por fim, os deuses deram o empurrão que faltava, lançaram os gregos à história e deram adeus.
No passado, foi Ulisses quem teve de derrotar monstros e feiticeiras, lutar contra os próprios soldados, transpor as próprias dificuldades em sua épica viagem de volta para casa. Hoje é o povo grego que luta para vencer seus fantasmas tanto das épocas de esplendor quanto de sofrimento, para, enfim, embarcar em uma viagem que tem tudo para ser também um épico. Será preciso lançar mão das mesmas coragem e criatividade – não para voltar para casa como Ulisses, mas para abandonar de vez o estigma de ser um povo preso ao passado. Agora, o caminho é seguir em direção ao futuro.
Nos últimos 20 anos, a república helênica passou da condição de pobre, e pitoresca ovelha negra européia, à peça-chave da região. Disfarçado por trás de seu próprio cartão-postal – ilhas ensolaradas, mergulhadas no mar de ametista, pescadores remendando redes de pesca, loiras de topless na praia – está um país que sabe tirar o melhor proveito de sua posição geográfica e se consagra como principal eixo comercial entre os Bálcãs e os países da costa leste do Mediterrâneo. A Grécia tem uma economia poderosa, com uma taxa de crescimento maior do que a média européia, apresenta uma das maiores frotas mercantes do mundo, abriga dois prêmios Nobel de Literatura, conta com 75% da população equipada com telefone celular e exibe uma das mais altas expectativas de vida da Europa. Ainda por cima, é sede dos Jogos Olímpicos, que, assim como a democracia, a filosofia e a tragédia, são também uma invenção grega.
A Grécia chegou aonde chegou graças à luta para transpor seus mitos. Não aqueles famosos sobre deuses e heróis, Zeus e Hércules, mas os mitos que os gregos criaram sobre si próprios, ou que foram fomentados por estrangeiros. Alguns deles foram necessários para que a empobrecida colônia do Império Otomano tivesse condições de lutar pela sua independência, declarada em 1832. Após 400 anos de submissão, estava preparada para enfrentar os desafios que viriam a seguir – duas guerras mundiais, guerras nos Bálcãs, a ocupação alemã, uma guerra civil e uma breve, porém cruel, ditadura militar, derrubada em 1974. Mas, ao mesmo tempo que esses mitos serviram a um propósito importante, hoje se tornaram relíquias que muitos gregos gostariam de deixar para trás.
Mito: todos os gregos são gregos
Por causa do orgulho nacional e da situação política complexa, muitos gregos acham importante dizer que são descendentes de Alexandre, o Grande. Em 1994, a antropóloga grega Anastasia Karakasidou foi acusada de “tentar desestruturar a nação grega”, ao publicar uma pesquisa na qual mostrava que muitos habitantes de um vilarejo ao norte do país eram, na verdade, de descendência eslava. Pressionados pelo governo local, os líderes da região insistiam em dizer que eram “gregos puros, como o mais puro ouro 24 quilates, tanto no idioma quanto na consciência”.
“Somos um povo atormentado”, diz Nadina Christopoulou, antropóloga ateniense. “A maior parte de nossa memória social gira em torno da Grécia gloriosa do passado, da perda desse poder, da culpa que jogamos nos 400 anos de ocupação turca e do que poderia ter acontecido se não fosse a intervenção da Turquia. Acho que temos um apego nocivo e muito peculiar ao passado. A adoração, a devoção à antiga Grécia. Os italianos não têm isso [em relação à Roma Antiga].”
Ser ou não ser grego. Esse poderia muito bem ser só mais um daqueles temas polêmicos típicos das reuniões familiares não fosse pela repentina e impressionante onda de imigração estrangeira no país. Até recentemente, a Grécia era tão pobre que não atraía imigrantes. Pelo contrário. “Quando falávamos em imigração até o começo dos anos 1990”, explica Katerina Kondouli, ex-agente de imigração, “estava subentendido que se tratava da saída de gregos do país.”

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